ENCENA ESSA CENA


(Trindade foi menina, em "Debut".
Depois, antes da evidência e da experiência de Consciência Suprema em si, enfrentou o desafio da personalização da confusão em "antes Dele em mim".



"Enigma Reflexivo" mostra Trindade conhecendo mais a si mesma, em um labirinto espelhado.

Em "A morte de Joan", reencontrou após muitos anos, um amor perdido, e se sentiu viva novamente.



Com a progressão do tempo e pela misericórdia do Universo, Trindade conhece Oliveira, conhece o que é pertencer a alguém e ter alguém para si. "Nós e os nós" é um fim de semana típico dos dois.

E Átila....

Átila quer ver Prússia antes de partir. Acha que lá encontrará a mesma juventude que ficou para trás, junto de Régina. Agora que Régina tem sua família, pouco faz sentido. É um diálogo sobre amor, perda e reencontro.



TEATRO EM CENAS SIMPLES, CURTINHAS E ACESSÍVEIS. APROVEITEM!







sábado, 28 de maio de 2011

NÓS E OS NÓS

NÓS E  OS NÓS

(À esquerda: TRINDADE sentada em um caixote, com um jornal mão.
À direita:  OLIVEIRA sentado a uma mesa tentando escrever.


TRINDADE (observando o céu):
Quero perder minha consciência em Vós, assim  como o golfinho pensa que é o mar. O céu e o  mar são um só espaço. Não  é possível contar as estrelas. Não é possivel conter o sal.
Paínho, mãínha; uma lágrima no dia em que o compasso do meu passo divergiu da sombra do seu olhar. Faz tempo, faz....Eu tive tanto medo naquelas horas de suor morno-gélidas por dentro das artérias; estava acontecendo uma epilepsia e meus ombros se debatiam: batedeira com minhas orelhas que quebraram como ovos de avestruz. E naquela clara - foi - naquela clara grossa e substancial, a clara, proteína sacra, que meus pés grudaram no chão. Eu tentei me suspender, ajeitar as ondas das antenas de tv no topo do iglú, mas era redondo e escorregadio como gelo vadio. Era como isolamento introspecto. Quero menos esperança e mais  ideologia. Esperança é para amanhhã e Ela veio hoje com lábios de bandolim e dedos de cahos ruivos, dentes turvos como devem ser os dentes de todas as gentes. A voz dela saía do terceiro olho e um fio de algodão sustentava sua postura enquanto ela pilotava um gongo. Era uniforme e uníssono.
Penso muito nisso, muito mais do que é preciso.
Penso na  família que o o vício dissipou. E penso nas palavras que você scaneou no dicionário ilustrado, para me ensinar significados,  até o dia que eu me renda, compre uma toalha de renda, para a mesa do nosso noivado.

(Trindade entra, Oliveira percebe)

OLIVEIRA:
Vou ficar velho e quero registrar as coisas  importantes sobre mim para que você  não se esqueça do quanto te amo. Mas não consigo me decidir  sobre meu fruto favorito.....

TRINDADE:
O  meu é oliva.
(rouba beijo selado)
Que importa? Pense nisto por exemplo (mostra jornal), a seção de Economia: há mais pobreza que riqueza e mais riqueza que petróleo.

OLIVEIRA:
Não começa.....

TRINDADE:
O oxigênio está tão bonito hoje, enquanto é metade da madrugada e meu deleite é isso, só isso meu deleite é! Estou voltando para casa, seja lá qual for o lugar onde começa o lar. Estou voltando à pé. E este trajeto de centopéia que é a percepção dos espaços entre os dedóides, eu vou escalar de cima abaixo e cima novamente como se fosse um elefante, auto-falante, parabólica.

OLIVEIRA:
Como está o tempo lá fora?

TRINDADE:
Garôa um pouco (Oliveira pega casaco). Vai sair?

OLIVEIRA:
Quero  te entregar meu registro ainda este fim de semana, mas suas opiniões estão sempre no meu caminho de terminar.

TRINDADE:
Escrever é tão artesanal quanto o samba. O samba é uma beleza que purifica o ar. Se você se for, o que será de mim? Você por aqui é meu canto sambado e bandolim.... 

OLIVEIRA:
Nunca vou me perdoar se eu envelhecer sem que você saiba...

(Oliveira sai)

TRINDADE: (pega celular e escreve mensagem de texto)
Se você soubesse, guardo cada  carta de sete anos atrás. Estão à salvo dentro do  meu álbum do Tom Jobim. O papel se desfaz, e as palavras falam de alguém que não sou mais. Mas acho que você já sabe muito sobre mim. Antes que seja tarde demais, antes que perca sua maneira de me fazer sorrir: eu já sei o que preciso: Eu sei que te conheci.

(Baixa luz)

A MORTE DE JOAN

A MORTE DE JOAN

 I
TRINDADE:
Muitas verdades foram escritas nas sub linhas no livro da vida, o livro escrito pela Deusa Destino. Umas dessas verdades foi dominada por Joan. Eu a conheci nas entre linhas de meus poemas sem sentido, que expressam o pouco de verdade que sei.
Ela sabia meu nome, e me dizia muito pouco sobre suas origens. Mas eu sabia...
Joan era uma das profecias apocalípticas.

JOAN:
"Então, também o ama?"

TRINDADE:
"Sim... E ele será meu."

JOANA
"Me diga, Trindade... Sabes quem sou eu?"

TRINDADE:
"Por que haveria de saber?"

JOAN:
"Eu sou Joan, a deusa do fogo."


TRINDADE:
(Senti um arrepio inevitável. Tive medo de perdê-lo.)
"E o que fazes aqui?"

JOAN:
"Vim te avisar que não o terá."

TRINDADE:
"Como não? Ele pertence à mim... minha alma se encontra na dele...."

JOAN:
"Eu também conheço o livro do Destino, Trindade, e o usarei como quiser... Não o terá."

TRINDADE:
"Somos amigas?"

JOAN:
"Podemos ser... Mas você não o terá."
(Neste momento soube que Joan tinha de morrer.)





II
TRINDADE:
(No dia em que o amor se tornou espécie rara, procurava sem saber pelo poder de conexão. Eu andava por ruas vazias onde era esmagada por pessoas irreais. Eu via a tudo, e entendia à muito pouco. )

"Enxergo em teus olhos....És como eu...."

(Eu entendia que os dias eram curtos, e que as noites eram longas, e que a vida andava em círculos, e que eu já estivera neste lugar antes, e que estaria aqui depois.... Eu entendia que beleza não se via, e que arte não se escrevia....)

"Enxergo teu passado... És como eu..."

(Em uma tarde de sol e chuva, conheci Cabral. E Cabral se tornou esperança, fonte de luz....Conforto!
Eu não queria me aproximar, mas sentia uma necessidade intensa de conexão. Então resolvi perfurar as camadas grossas que me separavam de Cabral.)

"Enxergo tua alma.... És como eu..."

CABRAL:
"Enxerga minha alma, não é mesmo? E o que vês?"

TRINDADE:
"Não sei muito bem.... Está tudo tão embaçado.... Tire seus óculos, e verei.
Não!!!!!!!!!!!!!"

CABRAL:
"Acho que agora você sabe...."

TRINDADE:
"Conhece Joana?

CABRAL:
"A deusa do fogo?
TRINDADE:
"Sim."

CABRAL:
"Não."

TRINDADE:
"E de onde nos conhecemos então?"

CABRAL:
"Do passado....que é tão presente e simboliza..."

TRINDADE:
"...o futuro!"

CABRAL:
"Que nunca vai acontecer."

TRINDADE:
(Convivemos por duas semanas e meia. Ensinamo-nos caminhos que não conhecíamos, e compartilhamos verdades que já sabíamos. Falávamos da morte e do amor.
Cabral sumia e depois reaparecia. Cabral fazia promessas que não cumpriria. E eu sempre esperava, sempre esperava. Eu entendia Cabral, pois Cabral me completava.
Foi em um dia de tempestade e arco-íris, que vi as profecias feitas por minha amiga acontecerem. Cabral veio sem avisar e informou...)

CABRAL:
"Tenho de ir."

TRINDADE:
"Mas por quê?"

CABRAL:
"Porque não te amo, e nunca te amarei"

TRINDADE:
"Quem disse isso?"

CABRAL:
"Há algo que não te contei: Um dia, Joan me mostrou o mapa feito pelo Destino."

TRINDADE:
"Joan, a deusa do fogo?"

CABRAL:
"Sim."

TRINDADE:
"Não!!!!!!!!!!!!"
(Havia algo dentro de mim que apontava Cabral como minha esperança para conexão.
Mas Cabral se foi, e nunca mais voltou. Neste dia, metade de mim se perdeu.
Então eu entendi que para recuperá-lo, Joan tinha de morrer.)




III
TRINDADE:
(E lá eu estava... Tonta...
E lá estava eu... Tonta...
Tonta.... porque o mundo - assim como a vida - anda em círculos.
Eu me perguntava sobre a natureza do acaso, que na verdade não existia.
Eu refletia sobre a pureza do destino, que na verdade não passava de um mero determinismo.
Nunca pertenci ao mundo da razão - tão cheio de erros justificáveis - e por isso nada neste mundo nunca foi capaz de me destruir... Ou quase nada...
Joan nunca se foi completamente. E quando eu a encontrava em meus poemas, lágrimas vinham a meu coração.)

JOAN:
"E agora por que choras, Trindade?"

TRINDADE:
"Ele se foi...
Estou cansada, Joan! Estou tão cansada!"

JOAN:
"Eu te avisei... Lutar por causas impossíveis é muitas vezes torturante...Qual é o problema desta vez?"

TRINDADE:
"Eu já não sei mais...
Muitas dúvidas se mesclam com medo e frustração.
Não quero ter que disfarçar
Cada vez que uma lágrima vier aos meus olhos.
Não quero ter de interpretar
Esse personagem sujo que me reservaste em teu teatrinho.
Não quero fingir que me divirto
Enquanto meu espírito chora, porque é massacrado
Por todo o sadismo, toda a dor, toda a cena incolor
Que incluíste em tua peça.
Estou certa de que receberei pelo que plantei,
Mas não quero colher do mesmo fruto
E sei que não terei nenhum atributo
Por ter representado melhor minha própria vida.
Sei que espero muito do mundo
É que no fundo, sei que não posso mudar nada:
Serei só mais um personagem
Que atua em uma peça desqualificada."

JOAN:
"Você me parece muito desapontada, minha querida. Está se esquecendo de algo muito importante: Nem todas as causas que parecem impossíveis, são realmente inviáveis..."

TRINDADE:
"Quando tempo exatamente terei de esperar?"

JOAN:
"Não importa! Como disse, não o terá, mas o obterá assim que minha morte for concebida."

TRINDADE:
(O mundo andava em círculos...
E lá estava eu... completamente tonta.)

IV
TRINDADE:
(Muitas surpresas aconteciam naquelas tardes.
Eu aprendia muito do que já sabia, e temia muito do que compreendia.
Para pílulas, faltava dinheiro, e as alegrias eram feitas de ilusões.
Por muito tempo acreditei que Cabral voltaria. Após o que pareceu uma encarnação de espera, eu o reencontrei.
E vi aquele homem a quem chamava de meu, e não pude me conter. Meus olhos brilhavam, e os olhos dele refletiam sentimentos aprisionados. Ele me viu, e uma alegria intensa mesclou-se com uma angústia comum.)

CABRAL:
"Que fazes aqui?"

TRINDADE:
"Vim buscar o que é meu."

CABRAL:
"Mas eu já não te disse que...."

TRINDADE:
"Joan mente. O livro que ela te mostra não contém verdades essenciais."

CABRAL:
"E qual seria esta verdade essencial?"

TRINDADE:
"As verdades que regem o mundo nunca mudam. Estou certa de que elas se manifestam aqui.... Em meu coração."

(Me atrevi a tocá-lo.
Então sentimento e instinto se fundiram em um só ato: amor.
O que conhecíamos por nosso se encontrou. Por causa da espera, não éramos gemidos, mas soluços - sutis. Por causa da idade, nossas sensações eram dormências suaves...
E mágica se fez.
Quando o último suspiro de êxtase e deleite foi ouvido, Cabral murmurou em meu ouvido...
"Amo-te".
E assim, Joan morreu.)

ENIGMA REFLEXIVO


"Havia alguém lá, me esperando no escuro;
Seus olhos brilhavam, seus perfumes exalavam
A genialidade e a curiosidade
Que eu mesma sentia naquele momento.
O rosto assustado me fez reconhecer
suas reais origens.
Eu percebi que a minha frente
Havia nada mais que um espelho,
E rodeada por seus próprios gritos histéricos,
A menina presa do outro lado
era só alguém com quem eu convivia há tantos anos
e não podia ainda desvendar os seus mistérios."

Enigma Reflexivo, por T.M.
Personagens:
Trindade 
Espelhos: Pessoas em preto segurando espelhos.
Espelho1: Reflete a alma. Característica primor.: Profundo.
Espelho2: Reflete a imagem. Característica primor.: Arrogante.
Espelho3: É a fusão de espelho um e dois. Reflete Confusão. Característica primor.: bipolar de tão dualista.
[Esta personagem consiste em duas pessoas interligadas, carregando o mesmo espelho. As falas do Espelho3 são divididas entre essas duas pessoas. Essa divisão é determinada como A e B, nas falas do Espelho3. ]
-------------------
[nota: os diálogos são dinâmicos, e neles Trindade conversa com o espelho a sua frente, não com a pessoa segurando o espelho.]
(On Stage: Trindade no centro do stage, observa as coisas ao seu redor e conversa com o ambiente)
TRINDADE (confusão aparente):
Estremecimentos matinais....
Minha vida se resumia em noites de luares vazios e manhãs de estremecimentos leves.
Ah! Os estremecimentos matinais... Aqueles que todos os dias me consumiam um pouco mais... e mais... e ainda mais uma vez, me mostravam a exatidão de cores claras e de medos crescentes. Um universo de estrelas mortas... Um poço de amores frustrados...
Confusão.

TRINDADE (levanta a cabeça)
Há dias de trevas, e noites de luz.....sem lua, sem lua.
(Segue Trindade, e depara-se com o Espelho1, que está posicionado na porção direita do stage, de frente para o público. Trindade tromba com o espelho1 e espanta-se com seu reflexo; ela observa a imagem por um instante...)

ESPELHO1 (provocativo):
Buh!!!!!!!!!!!!!!!

TRINDADE (assustada):
Quem és tu?

ESPELHO1:
Sou ti.

TRINDADE:
Mim?
(silêncio)

ESPELHO1:
Meu nome é Espelho... Reflito tuas entranhas...Já alguma vez viu a gravura de tua alma?

TRINDADE:
.....Não...Nunca...

ESPELHO1:
Então olhe dentro dos meus olhos.

TRINDADE:
(Desconfia. Teme. Aproxima-se. Fixa-se nos olhos refletidos no espelho por um instante. Vira-se, põe a face entre as mãos e chora)
Não!

ESPELHO1:
O que vês?

TRINDADE (gesticulando. Excitação aparente):
Anéis....Anéis embaralhando-se entre si.... E fogo... E cinza.... E nódoa....E...

ESPELHO1:
....Amores vãos.

TRINDADE:
....doentios..
..
ESPELHO1:
....doloridos...

TRINDADE:
....desejados....

ESPELHO1:
Tudo o que está dentro de ti...

TRINDADE:
...As entranhas...

ESPELHO1:
...refletem-se aqui. Prazer. Meu nome é Espelho.

TRINDADE:
Prazer. Eu sou...

ESPELHO1:
...Trindade...

(Espelho1 contorce-se e agacha-se.

Trindade prossegue a andar, até o centro do stage)
(silencio...)

TRINDADE:
...E volta e meia os estremecimentos matinais se desfaziam em deleites tardios. Belezas vazias, descritas nas linhas imperfeitas de um poema espelhado e reflexivo... Quando foi...? que o ontem acabou e o amanhã começou....? Eu nem vi o futuro virar passado! E agora confronto os presentes amargos do hoje....

ESPELHO2 (atrás de Trindade):
Alguém me chama?

TRINDADE:
Outro?

ESPELHO2:
Quem?

TRINDADE:
Outro... Espelho....

ESPELHO2:
Não, não... Eu lhe garanto que sou diferente...

TRINDADE:
....

ESPELHO2:
Eu reflito a aparência que você pensa conhecer...

TRINDADE:
Mas eu pensei que os Espelhos refletissem as "entranhas"....

ESPELHO2:
Como ousa duvidar de mim?! Audácia! Pois saiba que a imagem que te mostro é um dos mais significativos reflexos de tua alma....

TRINDADE:
Deixe-me ver...(Trindade olha nos olhos refletidos no Espelho2. Espanta-se.) Não, não pode ser....!

ESPELHO2:
Não pode ser o quê? Não gosta do que vê, é isso?

TRINDADE:
Não é bem esse o problema...É que quando olho nos teus olhos, sinto que algo está errado....Esta pessoa no outro lado não é quem eu havia imaginado, ao certo....
Vê...? Este sorriso amarelo não é o mesmo que foi inventado... E essas roupas, em farrapos, não são as mesmas que eu tinha costurado. Essas lembranças não são as mesmas que eu tinha memorizado. No entanto, reconheço o as mentiras que vejo refletidas em ti.... São parecidas com as que eu havia contado...

ESPELHO2:
Mas é claro....

TRINDADE:
Não parece tão claro para mim!

ESPELHO2:
Olhe de novo, então! Eu reflito o modo como ELES te vêem.

TRINDADE (Confusa):
(...) Por que tem que ser assim? Quem me dera eu houvesse nascido cega!

ESPELHO2:
Não TEM que ser assim, minha cara. Apenas É. Amargo demais para um humano, não acha?

TRINDADE (Perdida):
...e agora?

ESPELHO2:
Humanos....Cerram os olhos para coisas tão simples, pois preferem desaparecer atrás da maquiagem...

TRINITY (Perdida):
...e agora??

ESPELHO2 (Filosofando):
....Até o dia em que se deparam com alguém como eu, e são obrigados a encarar face a face o disfarce criado por si mesmos.... Um disfarce oculto e obscuro, que foi criado para ser perfeito...

TRINDADE (Perdida, confusa):
...e agora...???

ESPELHO2 (Filosofando):
....Anseiam por coisas banais, ao andarem por ruas onde todas as pessoas são iguais... E carregam suas máscaras, cada dia mais pesadas....

TRINDADE (Perdida, confusa, impaciente):
.....e agora?!?!?!?

ESPELHO2 (Filosofando, exaltando-se):
.... Tristes sois vós, por serem humanos:Bichos que pensam,Bichos que escrevem,Bichos que amam, e, principalmente,Bichos que sofrem por serem apenas homens,Disfarçados de perfeição....

TRINDADE (Perdida, confusa, impaciente, nervosa):
....E agora?????????!!!!!!!!!??????

ESPELHO2 (calmamente, pausadamente):
....E agora que está acordada, nunca conseguirá dormir de novo.

(Espelho2 contorce-se e agacha-se.
Trindade prossegue a andar, até o canto direito do stage)
(silêncio)

TRINDADE:
...E após os deleites tardios, as verdades noturnas. A mentira que eu vivia era muito sincera, muito natural...E agora me deparo com as visões apagadas das verdades que tentei esconder.... Tudo em vão...

ESPELHO3:
B-Deixe-me adivinhar...
...Medo...
A- Orgulho...
Receio...

TRINDADE:
Não, não quero ver mais nada em vocês!

ESPELHO3:
B -Ódio...
A-Rancor...

TRINDADE (aproxima-se do Espelho3 e o chacoalha):
Quieto!

ESPELHO3:
A- Ao menos que esteja interessada nos sete anos de azar...
B- ...tomaria um certo cuidado ao nos tocar, sabe?

TRINDADE (afasta-se um pouco, mas continua irritada):
Quietos! Quietos... Eu não ver mais nada refletido em vocês!

ESPELHO3:
A-É...a verdade dói...
B-Machuca...
A-...Às vezes até mata...
Mas tens certeza?

TRINDADE:
Certeza de que?

ESPELHO3:
A-De que não quer espiar nem um pouquinho dentro de nossos olhos?
B-Oferecemos as mais belas descobertas...

TRINDADE:
Não! Disponho!

ESPELHO3:
A - Tens certeza?
B - Quando você olha nos meus olhos, submerge em uma viagem infinita para dentro de si....
A - Os meus olhos são os seus olhos, e eles se refletem infinitamente.

(Trindade hesita, mas não resiste e olha fixamente para os olhos refletidos no Espelho3. Sorri em um deleite visível, mas contido)

TRINDADE:
....

ESPELHO3:
B- O que vês?

TRINDADE (confusa):
...Mais e mais espelhos, mergulhando-se uns nos outros... Belezas eufóricas refletidas nos seus olhos... O reflexo, do reflexo, do reflexo, do reflexo...

ESPELHO3:
B-São os seus olhos...
...refletindo o universo...
A- ...para dentro de ti...

TRINDADE:
...vertigens...

ESPELHO3:
B- Seus olhos refletem as poesias do mundo...
E borbulham teorias...
A- ...filosofias universais...

TRINDADE:
...verdades... Tantas verdades... Estou sendo engolida...

ESPELHO3:
A- Sentes medo?
B- Humanos normalmente não resistem a verdades...
A- ...não são imunes a elas, sabe?
B- É por isso que preferem se esconder...
A- ...atrás de ilusões.
B- Sentes medo?

TRINDADE (indiferente ao diálogo do Espelho3):
....

ESPELHO3:
A- Parece confusa...

TRINDADE (muito confusa):
Quantos espelhos cabem dentro de uma alma?

ESPELHO3:
B- Talvez tenha enlouquecido...

TRINDADE (mais confusa):Quantas verdades podem ser refletidas ao mesmo tempo,Avessas e avulsas...

ESPELHO3:
A - Não sei... Ela me parece bem lúcida....

TRINDADE: São quase vontades e desejos contrários....Para cada dois centímetros cúbicos de meu espírito
Há uma centena de desejos reversos; Milhões de vontades contrárias.

ESPELHO3:
B - Você gostou dela, hun?

TRINDADE:...Mas a porta escolhida não é a certa!Os caminhos pelos quais nos empurram
São limitações e direções que dizem"Por aqui. Venha por aqui".

ESPELHO3:
A -  você não sabe o que está dizendo...!

TRINDADE (mais calma):
Já é tarde.
E no meio do meu labirinto e de minhas dúvidas,
No meio de minhas diferentes faces e personagens...

ESPELHO3:
B - Estou dizendo que você está apaixonado pelo reflexo da Humana.

TRINDADE (gesticulando):Eu vejo minha face maquiada refletida em minha frente

ESPELHO3:
A - Não tenho que ouvir mais isso! Vou embora!
B - Não, não quero ir!
A - Você não tem escolha. Eu vou!
(Espelho3 contorcer-se e agacha-se.)

TRINDADE (calmamente):
E eu pergunto...
(olha ao redor, se vê sozinha. Ri sarcasticamente, e depois começa a chorar. Anda até o centro do stage. Com loucura, dúvida e paixão, pergunta-se)

TRINDADE:
....Quantos espelhos cabem dentro de uma alma?

(Cortina)

antes Dele em mim

TRINDADE:
(Já faz quase cinco meses...
Eu estava queimando minha meu cigarro de corda pela última vez, refletindo em meu refúgio. E aquele senhor de barba rala, mais uma vez apareceu para mim.
Ele chegou bem perto, tocou a minha face, sentiu o cheiro do fumo que queimava entre meus dedos, e exclamou:)

VELHO:
"- Não se fazem mais anjos como antes!"

TRINDADE:
(E eu, que obviamente não gostei nem um pouco do comentário do velho, repliquei:)
"- Pois saiba, meu senhor, que eu sou o mais perfeito exemplo de um anjo... (traga, solta fumaça) vindo diretamente do inferno."

(E o velho riu.
Ele sabia o quão frágil, confusa e perdida eu estava, e achou graça na minha resposta, que soava tão segura e era na verdade tão falsa.
Então o velho prosseguiu: )

VELHO:
"- Pois me diga, diabinha. Qual seu nome?"

TRINDADE:
"- É Trindad, meu senhor... Trindade, como o nome de uma daquelas anjas vindas do paraíso.

VELHO:
"- Eu sei - disse o velho - Eu sei..."

TRINDADE:
"- E do que mais o senhor sabe?"

VELHO:
"-Tudo! - riu-se o velho - Tudo aquilo que você ainda não se preocupou em descobrir dentro de si mesma.

TRINDADE:
(Eu sabia que ele sabia... Eu sempre o encontrava quando refletia  em  minha montanha.... Ele sempre me dizia as mesmas verdades, verdades essas que eu tratava de esquecer assim que caía neste mundo insano novamente.)

VELHO:
"(toma um gole de sua garrafinha de whiskey) O que confabulas em sua cabecinha hoje, Pequena Trindad?"

TRINDADE:
"Nada demais...
É que as vezes...bem...eu só gostaria de esquecer o que aconteceu...
Eu gostaria de vibrar pelo presente e...
Dizer que tudo o que tenho é meu. (se distancia do velho, andando pelo stage)
Eu gostaria de olhar para o céu e sentir aquilo que eu sentia a dez anos atrás.
Gostaria de poder andar pelos mesmos caminhos que já não entendo mais...
Gostaria de sorrir amarelo pela falsidade das pessoas que eu conheço.
Queria seguir o arco-íris e encontrar aquilo que não mereço. (volta para junto do velho)
Sabe, meu velho, eu queria sim aquele pote de ouro...
Mas temo muito Ter de pagar pelo tesouro.

VELHO:
"- Caríssima: tudo tem seu preço...."

TRINDADE:
"- E viver? Viver tem seu preço?"


VELHO:
" - Bem...(pensativo) Na maioria das vezes, paga-se sofrendo...Angustiando o "porquê" a cada segundo.... (seguro de si) O preço de viver é tentar entender o "PORQUÊ".


TRINDADE:
"(ansiosa) E a gente encontra?

VELHO:
"- Não sei....Eu...não sei..."

TRINDADE:
(Eu sabia que ele sabia. Então, eu prossegui: )

"- Eu não entendo este mundo, meu senhor.... vaga-se muito até que algo faça  sentido. E então é necessáriosorte para que a boa vontade contribua com disciplina em direção à meta.
(divagando) O que temos,
tirando o que podemos?
O que nos faz mal, tirando a glória do inimigo?
(indagando...) E você, já chorou por alguma razão realmente nobre?
Já procurou pelo sentido das coisas?
Já foi enriquecer a alma?
(empolgação) Já filosofou sobre aquelas folhas secas?
(refletindo) Ou será que você só pensou em ir,
sem imaginar que precisaria de um pretexto para voltar...?
Será que você já parou para pensar que...

VELHO:
"(bruscamente) Já parei para pensar, sim!"

TRINDADE:
"- E então?"

VELHO:
"- Não sei"

TRINDADE:
"- É claro que você sabe.... Têm de saber! Saiba, por favor!

VELHO:
" - Não sei!"

TRINDADE:
"- Não sabe? Como?"

VELHO:
"- Não sei! E este é meu maior tormento por anos, séculos até. Eu não sei!"

TRINDADE:
"- É o seu tormento, também?"

VELHO:
"- Também"

TRINDADE:
(E eu senti que estávamos então, encurralados. Se ele, o homem que me mostrava as verdades do universo sofria da mesma angústia que eu, o que faríamos?
O velho senhor dissipou-se com o vento...Se foi, como já havia ido tantas outras vezes.
Sentei. Apaguei meu cigarro no concreto, e caí no mundo real novamente. Insano e alienado como cada um de nós.)

DEBUT

TRINDADE:
("...No princípio, Deus criou os céus e a Terra..."
Esta era a verdade que eu sabia.... Eu vivia num mundo onde tabus e pudores eram a essência da salvação. Um mundo onde amar significava
temer....
Até o dia em que eu conheci o mestre dos sonhos....
Ele apareceu para mim como mágica e me disse coisas que não acreditaria se não fosse pelo brilho fascinante daqueles olhos negros que me invadiam, me possuíam, me dominavam e me faziam acreditar.
Ele chegou perto, e indagou....)

MESTRE DOS SONHOS:
"Acreditas em Deus?"

TRINDADE:
Estremeci. Minha pele  menina agora se encontrava arrepiada. Sabia que não devia falar com estranhos, mas havia algo naquela voz que me fazia entregar. Respondi:
"Mas é claro que acredito! Ele é a única verdade, o caminho absoluto no Universo e...."

MESTRE DOS SONHOS:
"...E matarias, ou morrerias por Deus?"

TRINDADE:
"Se Deus me dissesse que sim, mataria ou morreria, assim como muitos dos Escolhidos, que agora se encontram no paraíso, já fizeram. Os escolhidos tem de ser corajosos para obedecer a vontade de Deus, seja ela qual for...Matar, ou morrer...!"

(Por alguns segundos houve um silêncio insuportável. Um silêncio tenso, um silêncio nervoso, um silêncio ansioso, que pedia para ser quebrado. Fui eu quem o despedacei...)

"E você...não acredita em Deus?"

MESTRE DOS SONHOS:
"Acredito, sim.... Mas não neste "seu" Deus. Acredito em algo muito mais poderoso do que o Deus do qual você fala.... Eu não mataria nem morreria por meu Deus, mas faria muito mais... Eu amaria e ensinaria a amar...."

TRINDADE:
(Neste instante uma curiosidade me invadiu. Nunca havia conhecido ninguém que conhecesse algum outro deus senão aquele criador dos céus e da terra, criador dos pudores e dos tabus. O meu Deus criador do medo e da culpa.)

"E que Deus é este que você diz conhecer?"

MESTRE DOS SONHOS
"Não sei porque me faz esta pergunta...Você também o conhece...Na verdade, estou fitando-o neste exato momento....vejo-o na Sua face! A imagem mais divina que já vi."

TRINDADE:
(Meu medo e surpresa foram interrompidos por um toque gentil e intenso.
Após este momento não me lembro de mais nada. Só me recordo vagamente daqueles olhos negros me persuadindo.
Um gosto acre invadia minha boca, e esta se perdia dentre as formas... Ah! As formas alvas, formas do amor.
Harmonias da cor e do perfume...
O mestre dos sonhos me trazendo o gosto do sonho mais azul
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Os mais estranhos estremecimentos
Flores vagas de amores vãos, doentios
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte
Nos turbilhões quiméricos do sonho,
O mestre dos sonhos me apresentou a seu Deus.
No pecado, encontrei o paraíso.