NÓS E OS NÓS
(À esquerda: TRINDADE sentada em um caixote, com um jornal mão.
À direita: OLIVEIRA sentado a uma mesa tentando escrever.
TRINDADE (observando o céu):
Quero perder minha consciência em Vós, assim como o golfinho pensa que é o mar. O céu e o mar são um só espaço. Não é possível contar as estrelas. Não é possivel conter o sal.
Paínho, mãínha; uma lágrima no dia em que o compasso do meu passo divergiu da sombra do seu olhar. Faz tempo, faz....Eu tive tanto medo naquelas horas de suor morno-gélidas por dentro das artérias; estava acontecendo uma epilepsia e meus ombros se debatiam: batedeira com minhas orelhas que quebraram como ovos de avestruz. E naquela clara - foi - naquela clara grossa e substancial, a clara, proteína sacra, que meus pés grudaram no chão. Eu tentei me suspender, ajeitar as ondas das antenas de tv no topo do iglú, mas era redondo e escorregadio como gelo vadio. Era como isolamento introspecto. Quero menos esperança e mais ideologia. Esperança é para amanhhã e Ela veio hoje com lábios de bandolim e dedos de cahos ruivos, dentes turvos como devem ser os dentes de todas as gentes. A voz dela saía do terceiro olho e um fio de algodão sustentava sua postura enquanto ela pilotava um gongo. Era uniforme e uníssono.
Penso muito nisso, muito mais do que é preciso.
Penso na família que o o vício dissipou. E penso nas palavras que você scaneou no dicionário ilustrado, para me ensinar significados, até o dia que eu me renda, compre uma toalha de renda, para a mesa do nosso noivado.
(Trindade entra, Oliveira percebe)
OLIVEIRA:
Vou ficar velho e quero registrar as coisas importantes sobre mim para que você não se esqueça do quanto te amo. Mas não consigo me decidir sobre meu fruto favorito.....
TRINDADE:
O meu é oliva.
(rouba beijo selado)
Que importa? Pense nisto por exemplo (mostra jornal), a seção de Economia: há mais pobreza que riqueza e mais riqueza que petróleo.
OLIVEIRA:
Não começa.....
TRINDADE:
O oxigênio está tão bonito hoje, enquanto é metade da madrugada e meu deleite é isso, só isso meu deleite é! Estou voltando para casa, seja lá qual for o lugar onde começa o lar. Estou voltando à pé. E este trajeto de centopéia que é a percepção dos espaços entre os dedóides, eu vou escalar de cima abaixo e cima novamente como se fosse um elefante, auto-falante, parabólica.
OLIVEIRA:
Como está o tempo lá fora?
TRINDADE:
Garôa um pouco (Oliveira pega casaco). Vai sair?
OLIVEIRA:
Quero te entregar meu registro ainda este fim de semana, mas suas opiniões estão sempre no meu caminho de terminar.
TRINDADE:
Escrever é tão artesanal quanto o samba. O samba é uma beleza que purifica o ar. Se você se for, o que será de mim? Você por aqui é meu canto sambado e bandolim....
OLIVEIRA:
Nunca vou me perdoar se eu envelhecer sem que você saiba...
(Oliveira sai)
TRINDADE: (pega celular e escreve mensagem de texto)
Se você soubesse, guardo cada carta de sete anos atrás. Estão à salvo dentro do meu álbum do Tom Jobim. O papel se desfaz, e as palavras falam de alguém que não sou mais. Mas acho que você já sabe muito sobre mim. Antes que seja tarde demais, antes que perca sua maneira de me fazer sorrir: eu já sei o que preciso: Eu sei que te conheci.
(Baixa luz)
Nenhum comentário:
Postar um comentário